domingo, 17 de outubro de 2010

Crônica de uma tarde qualquer



Ela o encontrou pela primeira vez numa tarde quente e úmida de primavera. Os anos esculpidos em sua face eram suavizados pelo suave roçar da brisa em seus aveludados cabelos brancos. Ela o observava hipnotizada, como se soubesse que aquele momento era precioso demais para que qualquer detalhe fosse perdido. A praça em que estavam exalava vida. Crianças pequenas corriam,gritavam, brincavam, riam como se não houvesse nada além de sua alegria e inocência pueril. Os vários tipos de pássaros ali presentes cantavam alegremente, observando o passar do tempo bem além das copas das árvores. As outras pessoas conversavam, caminhavam ou simplesmente observavam umas às outras, completamente alheias à fascinação da menina ao observar aquele idoso. Ele percebeu o interesse da menina e sentiu um leve incômodo. Perfeitamente normal, afinal ninguém gosta de ser observado. Principalmente quando se é observado assim tão diretamente.


- Dói? – a menina perguntou repentinamente.


Piscou por alguns instantes tentando entender a pergunta da menina.


- Hã? Como assim dói, menina?


- Envelhecer dói?


O velho, então, ficou surpreso com a simplicidade e a profundidade da pergunta da garotinha.


- E por que você acha que dói?


A menina franziu a testa e falou o que lhe parecia óbvio:


- Porque seu rosto e suas mãos estão cheios de marcas profundas. Não dói quando são feitas?


Calou-se por um instante enquanto pensava na resposta da menina. Observou os olhos pequenos e brilhantes de curiosidade da mesma. Sorriu e afagou sua cabeça. Era engraçado perceber o quanto a inocência de uma criança podia ser encantadora e perspicaz simultaneamente.


- Sabe... há várias coisas que doem. Essas marcas não trazem dor, mas sim lembranças. A dor que sinto vem das minhas escolhas ruins, dos meus arrependimentos. Mas nem sempre escolhas ruins significam escolhas erradas. Escolhas erradas acontecem quando não há conserto para suas ações. Já, escolhas ruins ocorrem quando você reflete sobre as conseqüências do que aconteceu e se torna uma pessoa melhor. Essa dor não me deixa esquecer as coisas importantes que aprendi.


A menina observou o velhinho por um minuto e disse:


- Acho que não entendi direito o que o senhor disse, mas tudo bem. Gostei de observar seu jeito de falar. Lembra meu vovô quando me conta histórias sempre que vai lá em casa.


Então, a menina deu um lindo e aconchegante sorriso de verão, ressaltando as covinhas em suas bochechas rosadas.


- Ei, senhor. Qual é o seu nome?


- Tempo, menina. E o seu?


- É Vida, muito prazer. - sorriu serelepe e correu para onde as outras crianças estavam fazendo muita algazarra por causa de um filhotinho de gato perdido.


Tempo sorria bondosamente enquanto observava Vida correr pelo parque:


- Vá, Vida. Corra para o mundo. Ele é uma escola. A sua escola. - sussurrou enquanto via mais um bando de pássaros alçar vôo para o céu vespertino de um dia qualquer.